Manaus tem enfrentado tempos difíceis, de muito desespero e tristeza em razão da pandemia provocada pelo novo coronavírus. Em menos de um mês, o número de infectados e mortos teve um grande salto, causando o colapso na saúde e colocando Amazonas na lista de emergência do Ministério da Saúde.
Entre tantos profissionais que se dedicam integralmente e estão na linha de frente para combater e tratar este vírus, está a médica soledadense Fabiane Giovanella Borges. Ela, que é infectologista e mora no Estado desde 2000 e em Manaus desde 2003, tem vivido o dia a dia da situação causada pelo rápido contágio do novo coronavírus.
Sua área de atuação é com pacientes que convivem com HIV, sendo que em tempos de pandemia, foi designada também para os atendimentos de Covid-19. “Trabalho na Fundação de Medicina Tropical do Amazonas, num hospital de referência para doenças tropicais e infecciosas e num serviço municipal de atendimento especializado em HIV (Sae)”, pontua.
Desde março, as consultas foram praticamente suspensas. “A recomendação é séria, ninguém deve vir a consulta de rotina se está bem, apenas grávidas e pacientes graves com HIV que necessitem atendimento. O restante, fica em casa. Assim diminuímos o número de exposições e a prioridade são os atendimentos de pacientes com SARS-CoV-2 (coronavírus)”, comenta.
Fabiane conta que sua rotina nesses meses de março e abril foi de casa para o trabalho e vice-versa. “É muito difícil ver o crescimento da doença e o aumento do número dos casos. A estrutura de saúde já atingiu há muito tempo a sua capacidade, vemos a cada dia, colegas médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e outros profissionais doentes, estressados, preocupados em como irá ficar a saúde em geral”, relata.
Segundo ela, os profissionais trabalham assustados com as notícias. “A cada dia que passa é um conhecido, um amigo que adoeceu, um colega que está entubado em UTI e essa tem sido a principal conversa entre os grupos de saúde. Tivemos um final de semana com a morte de 3 colegas médicos”, lamenta.
A médica diz que, amedrontados, cada um faz o que pode. “Em meus ambientes de trabalho, talvez por serem locais de referência e de atendimento de grupos de risco, sempre tive EPIs, mas infelizmente não é a realidade da maioria”, constata.
Fabiane relata que a população de Manaus está apavorada. “Você vê medo em todas as classes, hoje me parece que estão mais cientes, até mesmo em virtude das notícias que são horríveis nacional e internacionalmente. A maioria demorou a acreditar na gravidade da doença, muitos criticaram o isolamento mas hoje grande parte cumpre as determinações dos órgãos de saúde”, completa.
Com relação as restrições, informa que escolas, shoppings, cinemas, bares, lojas e restaurantes estão fechados. “Em nenhum momento houve abertura e as pessoas estão se reinventando com vendas online, entregas por aplicativos e ninguém fala em previsão de retorno. As empresas do distrito industrial, com o aumento da curva, também se ajustaram as novas condições”, observa.
Ela acrescenta que a população vai se adaptando à maneira que pode. “Por exemplo, moramos em um condomínio e há quase 2 meses todas as áreas comuns estão fechadas e as crianças não podem sair. Meu filho está há 40 dias sem ver familiares e amigos pessoalmente. Ninguém entra. Nós levamos o distanciamento social a sério”, garante.
Com relação a rotina, conta que uma pessoa fica encarregada de fazer compras e grande parte das famílias dispensaram seus colaboradores. “Ao chegar em casa do trabalho, todas as medidas são tomadas, roupas do hospital são desprezadas lá mesmo, sapatos ficam fora de casa, roupa vai direto pra máquina e cuidados de higiene são redobrados. Cada um fazendo a sua parte”, assinala.
Ao fazer uma análise, Fabiane diz que a situação de Manaus é avassaladora e apavorante. “Região isolada, época das chuvas, clima quente, a maioria das pessoas é ciente e acredita no que vê todos os dias nas notícias dos telejornais, mas ainda existe falta de informação por parte da população carente”, considera.
Ela acredita que o descaso, a falta de compromisso, o sistema corrompido foram importantes para chegar neste colapso. “A lotação dos hospitais, a ausência de leitos de UTI e de testes diagnósticos, o caos no sistema funerário é uma realidade e infelizmente não é fake news”, garante.
A médica conta que conseguir uma vaga em um hospital é uma benção. “Ambulâncias estão lotadas, se um familiar dá entrada num hospital não tem direito a acompanhante. Se vai a óbito, não há velórios, tendo inclusive seus corpos depositados em containers frigorificados, os enterros são rápidos, a família não pode se despedir, os caixões são lacrados e acondicionados em valas feitas por máquinas devido ao alto volume e somente 3 familiares podem participar, desde que não façam parte de grupos de risco. Vivemos uma guerra” relata.
Fabiane deixa um recado aos seus conterrâneos soledadenses. “Me sinto na obrigação de repassar o que estamos vivendo aqui no norte. Temos muita dificuldade, mas o momento é de união e solidariedade ao próximo. Cada qual com suas características, com o inverno chegando no Sul, as infeções respiratórias se intensificam e diante de tal pandemia será bem complicado”, adianta.
Por fim, como profissional médica diz que as recomendações são as mesmas em todos os lugares. “Evite aglomerações, use máscaras, proteja os seus, tente explicar para os que não acreditam que isso tudo é real, faça a sua parte, aja com prudência e com responsabilidade”, conclui.