* Por Gianna de Lara
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo de caso, foi elaborado com base em um atendimento clínico desenvolvido no consultório psicológico, com atendimento individual e semanal, realizado de janeiro a setembro de 2023, com a paciente “B”, a qual será referenciada apenas pela primeira letra do seu nome, visando resguardar sua identidade e ética profissional.
Primeiramente o caso será descrito a partir dos dados relevantes da história de vida da paciente, coletados durante os atendimentos. Seguido, da hipótese diagnóstica deste caso que é o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), relacionando-a ao contexto da paciente, bem como a prática com a abordagem da TCC. Posteriormente são descritas as intervenções realizadas, as quais se fundamentam em técnicas cognitivas e comportamentais.
Por fim foi realizada uma análise teórico-crítica do caso relacionando-o com a Psicologia e as Políticas Públicas. Neste aspecto serão abordadas as políticas públicas existentes que oferecem apoio a indivíduos portadores de transtornos de ansiedade, tendo como principal polo de atendimento os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), esses serviços visam oferecer um olhar mais humanizado sobre esses indivíduos, buscando inseri-los na comunidade.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 CASO CLÍNICO A SER ESTUDADO
2.1.1 Breve descrição do caso
B. tem 44 anos, é casada, reside com o marido e os dois filhos, em uma cidade do Rio Grande do Sul. B, trabalha de atendente de loja de conveniência em um posto de combustível. B. iniciou a psicoterapia em janeiro de 2023, com queixas de insatisfação em diferentes áreas de sua vida, como profissional, como mãe e na vida amorosa. Relata ansiedade, nervosismo, raiva em alguns momentos, sentimento de vazio, desejo de “sumir” (SIC). Descreve ainda que em alguns momentos se sente muito sozinha, tudo o que acontece de errado é sua culpa, no entanto possui pensamentos positivos e sente-se animada em alguns momentos, já em outros momentos se sente novamente para baixo, como se nada desse certo em sua vida, não conseguindo organizar nem sua casa, nem a relação com marido/ filhos e nem no trabalho.
B. relata ter tido uma infância tranquila, sua mãe era atenciosa e seu pai, falecido há 15 anos, porém pouco fala na relação de ambos. Tem uma irmã mais velha e um irmão, relata que seu marido não se dá bem com sua mãe, o que muitas vezes acaba gerando brigas entre o casal.
Já quanto as relações pessoais, B. relata se afastar cada vez mais dos seus amigos, devido ao fato de no passado ela e o atual marido terem tido uma briga gerando o afastamento de ambos, ela acabou se envolvendo em um curto relacionamento e do qual concebeu um filho. E teve a paternidade assumida pelo seu antigo namorado e atual marido, ele ainda hoje sente muito ciúmes de algumas pessoas que a rodeiam e isso acaba a afastando dos amigos. Refere ainda não saber como manter diálogos com as pessoas, principalmente em situações que requerem um posicionamento, julgando que não irão a compreender e aceitar o que está impondo. Nas relações com colegas de trabalho também relata o mesmo sentimento, em algumas situações se isola fazendo seu trabalho e não conversando com as pessoas, pois acredita que irá se estressar e brigar caso venha a ter alguma discordância na conversa.
B. relata sentir medo de ficar sozinha no futuro, baseada no receio de não conseguir se expressar perante as pessoas, bem como sua falta de organização. Refere o desejo de mudar, mas que já tentou algumas vezes e acabou não conseguindo cumprir o que havia se proposto, tem um forte sentimento de que não está fazendo o suficiente para alcançar seus objetivos, pois não aguenta a pressão, lhe causando ainda mais ansiedade e frustração. Neste momento B. consegue se dar conta de algumas comunicações que está conseguindo fazer no trabalho e na família, ao mesmo tempo que ainda é algo que a deixa ansiosa, insegura, impotente e triste, está usando mais da sua fala, colocando seus pensamentos e até mesmo alguns sentimentos a frente de seus receios e do que as pessoas irão dizer, sendo muito importante, como ela diz: “me sinto leve quando faço minhas colocações” (SIC).
2.2. Hipótese diagnóstica
2.2.1 Possíveis sintomas de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG)
2.2.1.1 Descrição para diagnóstico do Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), segundo o DSM-5
Os critérios para o diagnóstico do Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) segundo o DSM 5, deve constar: A- ansiedade e preocupação excessivas (expectativa apreensiva), ocorrendo na maioria dos dias por pelo menos seis meses, com diversos eventos ou atividades (tais como desempenho escolar ou profissional). B- O indivíduo considera difícil controlar a preocupação. C- a ansiedade e a preocupação estão associadas com três (ou mais) dos seguintes seis sintomas (com pelo menos alguns deles presentes na maioria dos dias nos últimos seis meses). Nota: Apenas um item é exigido para crianças.
1. Inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele.
2. Fatigabilidade.
3. Dificuldade em concentrar-se ou sensações de “branco” na mente.
4. Irritabilidade.
5. Tensão muscular.
6. Perturbação do sono (dificuldade em conciliar ou manter o sono, ou sono insatisfatório e inquieto). D- a ansiedade, a preocupação ou os sintomas físicos causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo. E- A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos de uma substância (por ex., abuso de droga, medicamento) ou a outra condição médica (por ex., hipertireoidismo). F- a perturbação não é mais bem explicada por outro transtorno mental (por ex., ansiedade ou preocupação quanto a ter ataques de pânico ou transtorno de pânico, avaliação negativa no transtorno de ansiedade social [fobia social], contaminação ou outras obsessões no transtorno obsessivo-compulsivo, separação das figuras de apego no transtorno de ansiedade de separação, lembranças de eventos traumáticos no transtorno de estresse pós-traumático, ganho de peso na anorexia nervosa, queixas físicas no transtorno de sintomas somáticos, percepção de problemas na aparência no transtorno dismórfico corporal, ter uma doença séria no transtorno de ansiedade de doença ou o conteúdo de crenças delirantes na esquizofrenia ou transtorno delirante). (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
Segundo o DSM-5, as características essenciais do transtorno de ansiedade generalizada são ansiedade e preocupação excessivas (expectativa apreensiva) acerca de diversos eventos ou atividades. A intensidade, duração ou frequência da ansiedade e preocupação é desproporcional à probabilidade real ou ao impacto do evento antecipado. O indivíduo tem dificuldade de controlar a preocupação e de evitar que pensamentos preocupantes interfiram na atenção às tarefas em questão. Os adultos com transtorno de ansiedade generalizada frequentemente se preocupam com circunstâncias diárias da rotina de vida, como possíveis responsabilidades no trabalho, saúde e finanças, a saúde dos membros da família, desgraças com seus filhos ou questões menores (por ex., realizar as tarefas domésticas ou se atrasar para compromissos).
Primeiro, as preocupações associadas ao transtorno de ansiedade generalizada são excessivas e geralmente interferem de forma significativa no funcionamento psicossocial, enquanto as preocupações da vida diária não são excessivas e são percebidas como mais manejáveis, podendo ser adiadas quando surgem questões mais prementes. Segundo, as preocupações associadas ao transtorno de ansiedade generalizada são mais disseminadas, intensas e angustiantes; têm maior duração; e frequentemente ocorrem sem precipitantes. Quanto maior a variação das circunstâncias de vida sobre as quais a pessoa se preocupa (p. ex., finanças, segurança dos filhos, desempenho no trabalho), mais provavelmente seus sintomas satisfazem os critérios para transtorno de ansiedade generalizada. Terceiro, as preocupações diárias são muito menos prováveis de serem acompanhadas por sintomas físicos (por ex., inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele). Os indivíduos com transtorno de ansiedade generalizada relatam sofrimento subjetivo devido à preocupação constante e prejuízo relacionado ao funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes de sua vida. A ansiedade e a preocupação são acompanhadas por pelo menos três dos seguintes sintomas adicionais: inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele, fatigabilidade, dificuldade de concentrar-se ou sensações de “branco” na mente, irritabilidade, tensão muscular, perturbação do sono, embora apenas um sintoma adicional seja exigido para crianças. (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
Sendo que, ainda segundo o DSM-5, pode haver tremores, contrações, abalos e dores musculares, nervosismo ou irritabilidade associados a tensão muscular. Muitos indivíduos com transtorno de ansiedade generalizada também experimentam sintomas somáticos (por ex., sudorese, náusea, diarreia) e uma resposta de sobressalto exagerada. Sintomas de excitabilidade autonômica aumentada (por ex., batimentos cardíacos acelerados, falta de ar, tonturas) são menos proeminentes no transtorno de ansiedade generalizada do que em outros transtornos de ansiedade, tais como o transtorno de pânico. Outras condições que podem estar associadas ao estresse (por ex., síndrome do intestino irritável, cefaleia) frequentemente acompanham o transtorno. (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).
2.2.1.2 Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) a partir da Terapia Cognitivo-Comportamental
Para Oliveira (2011), os pacientes com Transtorno de Ansiedade Generalizada normalmente preocupam-se desproporcionadamente com o futuro e cometem vários erros do pensamento, como a catastrofização, por exemplo, por ter dificuldade de raciocinar com base na realidade. Suas interpretações dos eventos tomam grandes proporções, exagerando os efeitos, enfatizando os aspectos negativos e ignorando os positivos. Por essa razão, são pessoas que têm dificuldades para tomar decisões, para solucionar problemas, para mudanças etc. As intervenções cognitivo-comportamentais mais empregadas no quadro ora descrito são: a psicoeducação, a identificação dos pensamentos automáticos e das emoções, a identificação das crenças centrais e intermediárias, a reestruturação cognitiva, a resolução de problemas e a avaliação do processo.
Os pensamentos automáticos surgem em função da interpretação dada a uma situação e ocorrem paralelamente a pensamentos manifestos. As crenças centrais e intermediárias são identificadas e modificadas a fim de se construir modelos alternativos de comportamento, baseado na escolha consciente. Essas crenças são facilmente identificadas ao se preencher um formulário com dados sobre os pensamentos automáticos, as emoções/os, sentimentos/as, sensações e os comportamentos e/ou crenças do paciente. (OLIVEIRA, 2011)
Segundo Reyes e Fermann (2017), a terapia cognitivo-comportamental, psicoterapia psicodinâmica e terapia suportiva, eram eficazes quando comparadas ao tratamento usual e fila de espera, constataram que indivíduos atendidos com TCC apresentaram maior probabilidade de redução dos sintomas de ansiedade ao final do tratamento quando comparados ao tratamento usual e lista de espera.
2.2.1.3 Caso B. e o diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG)
B. demonstra irritação em vários momentos do dia, da semana, a alguns meses/ anos, relata estar com os nervos à flor da pele em diversos momentos, possui brancos principalmente quando está conversando e se perde nos seus pensamentos, tem dificuldade em relação ao sono, o que faz que em muitos dias inicia com a sensação de cansaço, bem como mudança de humor repentina, sendo que em alguns momentos o humor está mais elevado e em outros apresenta-se queixosa e chorosa, sente-se desanimada em desenvolver pequenas atividades do seu dia a dia, o que a deixa deprimida.
B. relata sentir seu peito apertado, bem como dor insuportável de estomago, vontade incessante de chorar, não se apresenta de forma vaidosa, a deixa sempre em segundo plano nas suas vontades e desejos, pois sente-se inferior a outras pessoas, não se sentindo no direito nem de comprar uma roupa, maquiagem nova, ou mesmo um alimento que gosta e tem vontade de comer. Apresenta uma fala rápida, alta e difícil de interromper, seus pensamentos fluem a uma velocidade maior do que aquela que pode ser expressa na fala, pois é comum haver fuga de ideias, evidenciada com mudanças repentinas de um tópico a outro, tem dificuldade de se concentrar e focar no que está trazendo naquele momento, pois acaba tendo lapsos de esquecimento a todo tempo.
2.3 Técnicas Utilizadas
2.3.1 Técnicas Cognitivas
2.3.1.1 Conceitualização cognitiva
A conceitualização cognitiva do caso é uma técnica fundamental da Terapia Cognitivo comportamental, que tem por objetivo compreender o paciente, servindo como um mapa de orientação para o trabalho a ser realizado. Neste diagrama são sintetizadas as informações coletadas, iniciando já nas primeiras sessões com o paciente e aprimorando ao longo do tratamento (BECK, 2013).
A seguir, a Tabela 1 representa o diagrama de conceitualização cognitiva do caso apresentado neste trabalho, o qual foi construído durante as sessões de atendimento.
TABELA 1 – DIAGRAMA DE CONCEITUALIZAÇÃO COGNITIVA
Dados relevantes da história: Possui 44 anos; casada; Pai falecido (15 anos); Mãe afetiva e presente na medida do possível; Primeira gravidez sem ser com seu marido; Mudança na estrutura e organização familiar; Possui dois filhos; Relacionamento conflituoso com marido e filhos; Dificuldade de se organizar, ansiosa, agitada, irritada; Relacionamento distante com os familiares; |
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Crenças centrais: Crença de incapacidade; Crença de desamor; Crença de desvalor; Crença de vulnerabilidade. |
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Crenças-regras: Se não der conta de tudo, não sou suficiente; Se me expressar ficarei exposta; Se eu desagradar as pessoas, então elas irão me abandonar; |
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Estratégias compensatórias: Guardar tudo para si; Se sobrecarrega e faz tudo sozinha; Evitação; Resignação. |
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Situação 1 Casa desorganizada |
Situação 2 Conversar com o marido sobre organização da rotina |
Situação 3 Doenças crônicas do filho e a volta as aulas |
Pensamento Automático Preciso dar conta de manter tudo em ordem |
Pensamento Automático Estou sempre sozinha para tudo |
Pensamento Automático Também estou preocupada, mas não posso fazer nada |
Significado do PA Crença de incapacidade; |
Significado do PA Crença de vulnerabilidade; Crença de incapacidade. |
Significado do PA Crença de vulnerabilidade; Crença de insegurança. |
Emoção Raiva, ansiedade, vergonha |
Emoção Frustração, tristeza |
Emoção Preocupação, tristeza |
Comportamento Arrumar tudo sozinha |
Comportamento Não expressar sua opinião e ficar na dela |
Comportamento Pensar que vai se cuidar e assim não se contaminará |
2.3.1.2 Psicoeducação
A TCC se baseia na ideia de que os pacientes podem aprender habilidades para modificar cognições, estados de humor e comportamentos associados. Dessa forma, a psicoeducação tem como propósito instrumentalizar os pacientes com conhecimentos que os ajudarão a tornar-se seu próprio terapeuta (BECK, 2013). Desde o primeiro atendimento já foi iniciado o processo de psicoeducação com a paciente. Dessa forma, uma parte primordial do trabalho realizado é aprender a avaliar os pensamentos, tornando-os mais realistas e adaptativos, melhorando consequentemente o estado emocional, bem como a resposta comportamental do paciente (BECK, 2013).
Outro ponto do trabalho é a psicoeducação dos níveis de pensamentos, com os pensamentos automáticos e as crenças-regra e nucleares. Referente aos pensamentos automáticos eles podem ser funcionais ou disfuncionais, estes últimos distorcem a realidade, geralmente causam angústias e interferem na capacidade da paciente atingir seus objetivos (BECK, 2013).
Foi utilizada uma linguagem acessível, com exemplos para facilitar essa compreensão. Para identificar se esses pensamentos são verdadeiros ou não, foi levado à uma sessão de atendimento uma lista de distorções cognitivas, contendo os principais erros de pensamentos que as pessoas tendem a cometer, tais como pensamento tudo ou nada, catastrofização, filtro mental, entre outros. Dessa forma, foi possível identificar e avaliar as distorções que B. observou que cometia, utilizando-se exemplos e já trabalhando para tornar estes mais adaptativos. Um exemplo de distorção cometido pela paciente é a catastrofização, quando ela acreditava que seu filho mais novo poderia ser contaminado se voltasse a frequentar as aulas escolares.
2.3.1.3 Reestruturação cognitiva
Durante as sessões também foram utilizadas técnicas de reestruturação cognitiva, com o intuito de incentivar o desenvolvimento e a aplicação de processos conscientes adaptativos de pensamento, visto que uma das finalidades da TCC consiste em corrigir as distorções cognitivas que estão gerando sofrimento ao indivíduo e fazer com que ela desenvolva meios eficazes de enfrentá-los (BAHLS; NAVOLAR, 2004).
O questionamento socrático representa a principal técnica para modificação de pensamentos automáticos, em virtude do processo de indagar, indispensável para a mudança cognitiva na mudança dos erros de pensamento. Nesse sentido, ao invés de debater ou confrontar as cognições disfuncionais, o terapeuta guia a paciente para a descoberta de forma a orientar a paciente para que ela entenda seu problema, explore possíveis soluções e desenvolva um plano para lidar com as dificuldades (KNAPP, 2004²)
Outra forma de questionamento com igual intuito é a descoberta guiada, essa técnica tenciona através de perguntas indutivas do terapeuta revelar padrões disfuncionais do pensamento ou comportamento do paciente (WRIGHT; BASCO; THASE, 2008). O objetivo é trazer informações a consciência do paciente, relacionando o pensamento automático com suas consequentes emoções e comportamentos (KNAPP, 2004¹).
Dessa forma, ao longo dos atendimentos sempre era buscado identificar o que tal pensamento automático significava para a paciente, o que este dizia dela. Ao mesmo tempo em que ia se questionando e levando a paciente à outras formas de pensar sobre si mesma, sobre os outros e sobre o mundo. Provavelmente por sua condição ansiosa, foi percebida que algumas maneiras de pensar estavam bem cristalizadas e de difícil modificação, assim este foi um processo que as cognições foram diversas vezes trabalhadas.
2.3.1.4 Registro de Pensamentos Disfuncionais
Instruir a paciente registrar seus pensamentos automáticos em um papel é uma das técnicas mais utilizadas dentro da TCC. É muito útil por auxiliar a paciente a praticar a identificação destes e ainda servir como um facilitador para intervenções com o propósito de avaliar esses pensamentos, proporcionando ainda um instrumento de automonitoramento (BECK. 2013).
Para tanto, deve ser explicado à paciente como preenchê-lo corretamente, sendo aconselhável preencher primeiro em conjunto durante a sessão de atendimento. Foi instruída preencher na primeira coluna a situação que causou o pensamento automático, na segunda registrar o que passou pela sua cabeça (PA- Pensamento Automático), na terceira a emoção sentida, na quarta coluna a resposta funcional, e na última colocar o resultado.
Desse modo, B. não realizou este preenchimento como tema de casa, pois disse que não conseguiria fazê-lo sozinha, porém foi feito na sessão as situações que aconteceram e que pensou que poderia ter anotado e, portanto, preenchemos juntas durante o atendimento, servindo ao propósito final de conseguir identificar e trabalhar com os pensamentos disfuncionais.
2.3.1.5 Exame de evidências
Essa estratégia é utilizada para ajudar os pacientes a modificarem seus pensamentos automáticos. É aconselhado ao paciente realizar uma lista com as evidências contra e a favor de determinado pensamento, de forma que seja possível avaliar sua validade e trabalhar para torná-lo mais condizente com as evidências (BECK, 2013).
Para o atendimento de B. adaptei esta técnica de forma a conversarmos sobre esta listagem de evidências, auxiliando-a a perceber que em algumas situações ela não tinha evidências suficientes para acreditar que aquele pensamento retratava a realidade e que seria mais funcional para evitar preocupações improdutivas, ela se baseará naquilo que era conhecido. Por exemplo, quando tentava conversar com o marido sobre a organização da rotina, ela tinha o pensamento automático “que está sempre sozinha para tudo”, porém havia outras atitudes que demonstravam o contrário, bem como poderia haver outras explicações para ele não a ajudar.
2.3.2 Técnicas comportamentais
2.3.2.1. Lista de Vantagens * Desvantagens
Alguns pacientes têm dificuldades em tomar decisões, nestes casos, uma das técnicas utilizadas para ajudá-los é fazer uma lista das vantagens e desvantagens de cada opção, assim a partir da visualização deste esquema, ela própria pode conseguir tirar a melhor conclusão (BECK, 2013).
Assim, B. relatava dificuldade em tomar decisões, e no momento não conseguia decidir por adiar ou não suas tarefas de casa. Em seus discursos percebi que B. verbalizava motivos importantes para adiar, porém necessitava que alguém lhe confirmasse essa decisão. Para auxiliá-la nesse processo, realizamos em conjunto, durante o atendimento uma lista que em uma coluna foram listadas as vantagens de adiar e na outra coluna as desvantagens desta situação.
2.3.2.2 Resolução de problemas
A resolução de problemas da vida da paciente também é um ponto importante para a TCC. Dessa forma, é incentivada que a paciente também coloque entre as pautas das sessões problemas que surgiram durante a semana ou que prevê para a semana seguinte. Após, com a ajuda da terapeuta, a paciente passa a imaginar as possíveis soluções para esse problema (BECK. 2013).
Algumas vezes a paciente precisa de instruções diretas até que consiga detalhar o seu problema, imaginar soluções, escolher a mais viável e executá-la. Este processo auxilia que ela consiga reconhecer, construir recursos pessoais e aumentar o sentimento de confiança e autoeficácia, para que quando surgir algum problema, possa sentir-se capaz de lidar com ele. Existem ainda preocupações pouco prováveis de acontecer, nestes casos o mais indicado é ajudá-la a fazer essa diferenciação, entre precauções racionais e irracionais (BECK, 2013).
Como B. apresentava diversas situações em que necessitava de ajuda para conseguir resolver algum problema, esta foi uma técnica frequente durante os atendimentos.
2.3.2.3 Treino de Habilidades Sociais
As habilidades sociais são comportamentos necessários para uma boa relação interpessoal. Nestas, podemos listar: comportamentos de iniciar, manter e finalizar conversas; pedir ajuda; fazer e responder a perguntas; fazer e recusar pedidos; defender-se; expressar sentimentos, agrado e desagrado; pedir mudança no comportamento do outro; lidar com críticas e elogios; admitir erro e pedir desculpas, escutar empaticamente, dentre outros. (CABALLO, 2003)
As técnicas comumente empregadas incluem: o fornecimento de instruções, ensaio comportamental, modelação, modelagem, feedback verbal e em vídeo, tarefas de casa, reestruturação cognitiva, solução de problemas e relaxamento (CABALLO, 2003; DEL PRETTE; DEL PRETTE, 1999).
Portanto, durante os atendimentos foram trabalhadas as formas de comunicação, explicitando as diferenças entre comunicação passiva, agressiva e assertiva.
3. ANÁLISE TEÓRICO-CRÍTICA DO CASO RELACIONADO AS POLÍTICAS PÚBLICAS
Vêm se implementando as políticas públicas sob a forma de leis, portarias e outras regulações que repercutiram na criação de novos serviços públicos, trouxeram mudanças na legislação e produziram inovações de práticas clínicas com importante apoio na interdisciplinaridade das ações e participação cidadã. (CAMPOS; ONOCKO-CAMPOS; BARRIO, 2013)
A partir da Lei federal nº 10.216, de 06/04/2001 (BRASIL, 2001) da reforma psiquiátrica brasileira, é instituído o redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental e os direitos das pessoas ditas portadoras de transtornos mentais. Essa lei determina que esses cidadãos devem ser tratados, preferencialmente, em serviços comunitários “com humanidade e respeito, no interesse exclusivo de beneficiar a saúde, visando alcançar sua inserção na família, no trabalho e na comunidade” (Art.2º, II).
A Rede de Atenção Integral em Saúde Mental abrange serviços de todos os níveis de atenção, desde a atenção básica até os serviços especializados: centros de atenção psicossocial, serviços residenciais terapêuticos, ambulatórios de saúde mental, hospitais-dia, leitos/unidades em hospitais gerais, serviços de urgência/emergência psiquiátrica, geração de renda e trabalho, centros de convivência, pensão protegida, entre outros (Brasil, 2001).
Segundo a Portaria nº 336/2002 do Ministério da Saúde (BRASIL, 2002), os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial – I, II, III) seriam os mais representativos desses serviços, que têm como prioridade “o atendimento de pacientes com transtornos mentais severos e persistentes em sua área territorial, em regime de tratamento intensivo, semi-intensivo e não intensivo” (Art.1º, 1). Previsto para ser porta de entrada em saúde mental no Sistema Unificado de Saúde (SUS).
A Atenção básica tem o papel de realizar a identificação e manejo de casos, acompanhando-os e mantendo o cuidado de forma integral. É composta principalmente por Unidades Básicas de Saúde e de Equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007). Já na Atenção Especializada, destacam-se os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Os CAPS são serviços abertos e comunitários que devem prestar atendimento em regime de atenção diária, oferecer cuidado clínico eficiente e personalizado, promovendo a inserção social do usuário, bem como prestar suporte e supervisionar a atenção à saúde mental na rede básica (MINISTÉRIO DA SAÚDE e DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 2002).
Dessa forma, o foco do trabalho desenvolvido nestes serviços não é apenas a doença mental em si, mas as relações sociais e afetivas estabelecidas pelo usuário em seu território, família, trabalho etc. (KANTORSKI et al., 2006). De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2001), mesmo com os recentes avanços na área, os transtornos mentais ainda estão longe de receberem a mesma relevância dada à saúde física, principalmente nos países em desenvolvimento. E ainda tem as situações de estigmas acerca dos transtornos mentais em muitas culturas, colaborando também para que estas sejam sub reportadas. (RIBEIRO; INGLEZ-DIAS, 2011)
CONCLUSÃO
Durante todo o decorrer do processo terapêutico o qual a paciente esteve em acompanhamento, foi fundamental a criação de vínculo e confiança ética, fornecendo um espaço de escuta seguro e confiável para poder compartilhar seus anseios, sentimentos e vivências. Desenvolvendo um trabalho satisfatório que foi permitido pela paciente, a partir das técnicas utilizadas, a criação de mecanismos e o simples fato de aprender a lidar e trabalhar com os seus sentimentos e comportamentos.
Como visto no decorrer deste trabalho a abordagem de TCC é rica em técnicas que podem auxiliar pacientes com diferentes transtornos, sendo assim, é possível buscar uma melhora mais significativa e tornar os comportamentos da paciente mais adaptativos e através da reestruturação cognitiva, menos geradores de sofrimentos.
Algumas técnicas utilizadas tiveram um resultado melhor do que outras, sendo preciso adaptar de forma criativa as técnicas cognitivas, para que estas fizessem sentido para a paciente e alcançassem os seus objetivos. Foi percebido que trabalhar com a abordagem da TCC permitiu a paciente se adaptar à uma estrutura de sessão, facilitando seu processo psicoterápico e permitindo que esta participasse ativamente do seu tratamento, visando alcançar os seus objetivos de forma mais consistente, aumentando a autoeficácia do tratamento, para que esta consiga lidar com suas questões com maior autonomia e segurança. Fortalecendo assim, tudo o que foi trabalhado nestes meses para que não haja uma desistência na primeira dificuldade, que possa por algum motivo vir a passar pela sua cabeça e assim recaindo em seus pensamentos, medos, angústias e frustrações de incapacidade e desvalor.
REFERÊNCIAS
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BAHLS, S. C.; NAVOLAR A. B. B. Terapia cognitivo-comportamentais: conceitos e pressupostos teóricos. Rev Eletrônica Psicol. v.4. [s.l]. 2004. Disponível em: www.utp.br/ psico.utp.online. Acesso em: 20 jan. 2025.
BECK, Judith S. Terapia Cognitivo-Comportamental: teoria e prática. Artmed, Porto Alegue, 2 ed., 2013.
BRASIL. Lei 12.764/2012. Brasília: Presidência da República, 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil03/ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm#:~:text=In stitui%20a%20Pol%C3%ADtica%20Nacional%20de,11%20de%20dezembro%20de %201 990. Acesso em: 26 jan. 2025.
BRASIL. Portaria nº 336, de 19 de fevereiro de 2002. Brasília, 2002. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2002/prt0336_19_02_2002.html. Aceso em: 08 fev. 2025.
CAMPOS, G. W. S.; ONOCKO-CAMPOS, R. T.; BARRIO, L. R. D. Políticas e práticas em saúde mental: as evidências em questão. Ciência e Saúde coletiva. 2013. São Paulo. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/csc/2013.v18n10 /2797-2805/pt/. Acesso em: 09 fev. 2025.
CABALLO, V. E. Manual de avaliação e treinamento das habilidades sociais. São Paulo: Santos. 2003
KANTORSKI, L. P. et al. O cuidado em saúde mental: um olhar a partir de documentos e da observação participante. Revista de Enfermagem Uerj. v. 14, n. 3, p. 366-371. Rio de Janeiro, 2006.
KNAPP, P. Principais Técnicas. In: KNAPP P. (org.) Terapia cognitivo-comportamental na prática psiquiátrica. Artes Médicas. Porto Alegre, 2004¹
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Política Nacional de Atenção Básica. 4ª Ed. p.68. Brasília, 2007. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/política_ nacional_atencao_basica _4ed.pdf. Acesso em 10 fev. 2025.
MINISTÉRIO DA SAÚDE E DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. Portaria no 336/GM de 19 de fevereiro de 2002. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/por tal/arquivos/pdf/PortariaGM336-2002.pdf. Acesso em 10 fev. 2025.
OLIVEIRA, Maria Inês. Santana de. Intervenção cognitivo-comportamental em transtorno de ansiedade: relato de caso. 2011. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-56872011000100 006. Acesso em: 12 fev. 2025.
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